quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Cessão temporária de útero de forma remunerada (barriga de aluguel) e o direito penal

Antes de tecer estas considerações, tenho a informar que o presente não tem o condão de finalizar o assunto, mas, de conjugar a realidade dos fatos e nossa legislação penal.
 
O tema é espinhoso, muitas sociedades, organizações, vaidades e interesses orbitam nesta esfera, mas não podemos deixar de enfrentá-lo, afinal, este é o munus que sacia a sede de respostas da sociedade.
 
Como é de conhecimento público (ou pelo menos assim parece) a cessão temporário de útero, na forma remunerada, mais conhecida como "barriga de aluguel" é tida como "proibida por lei". Vários juristas defendem esta tese. Uns com base no artigo 15 da Lei 9434/97 (a compra ou venda de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano é crime com a pena de reclusão de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias), outros, sustentam a aplicação do artigo 299 do Código Penal (fazer declaração falsa em documento púbico ou particular, cuja pena de reclusão varia de um a cinco anos e multa).
 
Mas, o fato é que, NÃO EXISTE UMA LEI QUE PROÍBA ESTE TIPO DE CONDUTA. Há uma lacuna legal, regimental que limite esta questão da Reprodução Humana Assistida.
 
Então, nesta seara, cumpre-me trazer alguns esclarecimentos sobre o direito penal a que estamos vinculados.
 
Nossa Constituição Federal, prevê uma série de normas que servem de base para a aplicação do Direito Penal. É na Constituição Federal que se realiza a integração dos princípios e garantias fundamentais das pessoas paras com todo o arcabouço jurídico, inclusive, quanto a legislação penal. O legislador, no cumprimento de sua missão precípua (fazer leis), deve, impreterivelmente, buscar valorar e respeitar o contido no texto Constitucional, sob pena de criar aberrações legais que serão prontamente afastadas pelo Poder Judiciário.
 
Dentre os vários princípios existentes em nossa Constituição Federal, destaco, para estudo do presente tema, o princípio da Legalidade.
 
Este princípio tem por escopo o de delimitar a aplicação de uma lei. Melhor dizendo, a Lei somente terá o valor devido se, e somente se, tiver sido originada de órgão competente para tal ato (Congresso Nacional - Senado ou Câmara dos Deputados). Qualquer outro ato, travestido de Lei, que não tenha sido originado em órgão competente, não será tido como Lei. Nos casos de leis penais, por se tratarem de leis que diminuem ou restringem a liberdade das pessoas, estas devem ter sua interpretação de forma restrita, não comportando sua criação em sentido genérico.
 
Na seara penal, como consequência do princípio da Legalidade temos o Princípio “nullum crimen, nulla poena sine lege”, ou seja, princípio de que não há crime nem pena sem lei. E, desse princípio de direito penal, podemos extrair o seguinte:
- Não pode haver crime sem lei;
- A lei que define crime tem de ser uma lei precisa – “nullum crimen nula poena sine lege certa”;
- Proíbe-se a retroactividade da lei penal – “nullum crimen nulla poena sine lege previa”;
- Proíbe-se a interpretação extensiva das normas penais incriminadoras – “nullum crime nulla poena sine lege strica”;
- Proíbe-se a integração de lacunas por analogia e impõe-se a retroatividade das leis penais mais favoráveis.
 
Uma lei penal não deve conter tão só a descrição de um comportamento considerado crime; deve conter, em conexão com essa descrição, a respectiva sanção jurídico-penal.
 
Neste sentido, o princípio da legalidade tem como fundamento a garantia dos direitos individuais.
 
O princípio da legalidade, mesmo no domínio do Direito Penal tem uma justificação e um fundamento de constituir uma garantia de direitos individuais do cidadão.
 
Apesar do branco legal sobre o tema, os profissionais (advogados, juízes e principalmente médicos) se apegam na Resolução 1957/10, criada e baixada pelo Conselho Federal de Medicina, que trata da Reprodução Humana Assistida.
 
Nesta seara vale alertar que esta Resolução (no sentido jurídico administrativo), para o caso em tela, não serve de parâmetro de condenação, pois, esta Resolução, embora  baixada pelo Conselho Federal de Medicina, nada mais é do que, a forma pela qual se exprime a deliberação de um órgão colegiado sobre determinado assunto. Tal Resolução também não tipificou como crime a conduta, inclusive do profissional (médico), nem estipulou qualquer tipo de pena. Até porque, qualquer ato neste sentido, escaparia da finalidade da Resolução.
 
Assim sendo, ainda que venham novas tentativas de elastecer outros tipos penais com o fito exclusivo de penalizar a conduta de cessão temporária de útero, na forma remunerada, tais tentativas não surtirão qualquer efeito jurídico penal nos casos.
 
Por fim e S.M.J., feitas estas observações, no presente momento e sob minha ótica, nos casos concretos em que houver a cessão temporária de útero, na forma remunerada, tanto a cedente quanto a cessionária, JAMAIS PODERÃO RESPONDER POR QUALQUER TIPO DE CRIME, uma vez que, friso, não há regramento legal (em sentido estricto) que tipifique esta conduta como delituosa e estabeleça uma pena.

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