O banco não pode manter indefinidamente ativo o registro negativo de cliente
inadimplente, principalmente quando ele não está mais nesta condição por ter
quitado a sua dívida de forma negociada. Logo, a manutenção do seu nome no
cadastro, com a consequente recusa em conceder-lhe crédito, fere dispositivos do
Código de Defesa do Consumidor e gera indenização por dano moral. Com base nesta
linha de entendimento,
a 2ª Câmara Especial Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reformou
sentença e condenou o Banco do Brasil a pagar R$ 2.500 a um consumidor da
Comarca de Taquari.
Os desembargadores reconheceram que a instituição financeira não é obrigada a
fornecer crédito de forma indiscriminada. Entretanto, a recusa em contratar com
o tomador deve estar justificada.
No caso concreto, o colegiado entendeu que o Banco do Brasil aceitou negociar
o passivo com o consumidor inadimplente, zerando a pendência e, posteriormente,
lhe negou crédito. ‘‘Diante da liquidação da dívida operada pela instituição
financeira, o status jurídico do apelante (consumidor) se modificou.
Ele deixou de ser correntista inadimplente para readquirir nova posição
contratual junto apelado (banco)’’, afirmou o relator da Apelação no TJ-RS,
desembargador Marcelo Cezar Müller. O acórdão foi assinado no dia 28 de
março.
O caso
Em 2010, o autor foi até a agência do Banco do Brasil onde tem conta corrente e solicitou empréstimo no valor aproximado de R$ 1 mil. O banco recusou. Motivo: existência de uma pendência financeira com origem em contrato firmado em 30 de junho de 1999, no valor de R$ 58,27, referente a uma conta corrente aberta em 1996.
Em 2010, o autor foi até a agência do Banco do Brasil onde tem conta corrente e solicitou empréstimo no valor aproximado de R$ 1 mil. O banco recusou. Motivo: existência de uma pendência financeira com origem em contrato firmado em 30 de junho de 1999, no valor de R$ 58,27, referente a uma conta corrente aberta em 1996.
Como o banco não recuou de sua posição, o autor ingressou em juízo com Ação
Declaratória de Inexistência de Débito, cumulada com pedido de indenização de 40
salários mínimos, a título de danos morais. Em síntese, sustentou que não tem
responsabilidade pelo débito apontado. Requereu a antecipação de tutela, para
impedir que o banco inscrevesse seu nome nos órgão de consulta de crédito, como
o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC).
Após a concessão da tutela, o Banco do Brasil foi citado e apresentou
contestação. Disse que a dívida era R$ 189,86 e que foi sendo amortizada pelo
autor, mas não totalmente extinta. Sustentou que o débito remanescente não gerou
repercussão externa ao autor, o que poderia ser utilizado como impeditivo a
novas contratações de crédito. No entanto, alegou ser lícito manter as
informações em nível interno. Afinal, agiu no exercício regular do seu direito,
pois detém a liberdade de contratar com quem quiser.
Débito em jogo
A juíza Cristina Margarete Junqueira, titular da 1ª Vara Judicial da Comarca de Taquari, julgou improcedente a demanda. Ao expor suas razões, ela se concentrou, primeiramente, na alegação de inexistência de débito, considerada ‘‘controversa’’.
A juíza Cristina Margarete Junqueira, titular da 1ª Vara Judicial da Comarca de Taquari, julgou improcedente a demanda. Ao expor suas razões, ela se concentrou, primeiramente, na alegação de inexistência de débito, considerada ‘‘controversa’’.
De acordo com a juíza, os documentos trazidos ao processo mostram que foi
concedido um crédito ao autor, que culminou com a parcela no valor de R$ 189,96
e que, no entanto, não foi adimplido integralmente. O autor fez amortizações nos
valores de R$ 90,00, R$ 29,45 e R$ 29,00, mas que não foram suficientes para
saldar a totalidade do débito. Destacou, ainda, que o débito permaneceu ativo
por quase quatro anos, sem que fosse efetivado qualquer outro depósito por parte
do autor. O débito foi transferido, então, para uma espécie de conta de perdas,
de prejuízos. E o registro foi mantido apenas internamente.
‘‘O requerido (banco) apenas absteve-se de formular cobrança formal da
diferença, mantendo tais valores em cota apropriada, a fim de que fosse
contabilizado como perdas da instituição financeira e, por evidente, servissem
de critério restritivo da conclusão de outros contratos com a mesma parte’’,
deduziu a magistrada.
Nesta linha, a juíza entendeu que não é possível obrigar o banco a contratar
com o autor quando há justificativa legítima para a sua recusa, notadamente o
histórico da relação jurídica mantida entre as partes, que indica conduta
inadimplente. ‘‘Tudo leva a crer que o demandante (autor) tende a cavar
subterfúgios para auferir valores, sem que tenha que desempenhar esforços,
refugiando-se sob o manto de aventado dano moral, que sequer restou comprovado
nos autos, desvirtuando o instituto da responsabilidade civil’’, afirmou ela,
revogando a liminar concedida e sepultando a pretensão.
Boa fé contratual
Ao interpor Apelação no Tribunal de Justiça, o autor afirmou que o extrato juntado aos autos comprova que, em julho de 1999, não havia débitos em sua conta. Portanto, a instituição financeira não poderia ter-lhe negado o empréstimo solicitado. Não houve contrarrazões.
Ao interpor Apelação no Tribunal de Justiça, o autor afirmou que o extrato juntado aos autos comprova que, em julho de 1999, não havia débitos em sua conta. Portanto, a instituição financeira não poderia ter-lhe negado o empréstimo solicitado. Não houve contrarrazões.
O relator do recurso na 2ª Câmara Especial Cível, desembargador Marcelo Cezar
Müller, acolheu a tese do apelante, detalhando suas razões no acórdão. A exemplo
da julgadora de primeiro grau, ele se deteve na questão da existência, ou não,
do débito.
‘‘O documento de fl. 56, no qual consta o ano de 2003, indica que o saldo da
operação relativo à conta-corrente n. 23.895-5, efetuada entre as partes, é
zero. E a explicação para a dívida estar zerada é obtida nas próprias razões do
banco apelado (contestação, fls. 36-7). Ou seja, o apelante realizou alguns
pagamentos para amortizar a dívida e foi beneficiado por um abatimento negocial
(fl.56), que acabou liquidando o débito do autor perante o banco. Porém, não
obstante ter considerado liquidado o débito, o banco admite manter restrições
internas quanto ao nome do apelante (fl. 36), as quais aparecem comprovadas pelo
extrato que o autor juntou à fls. 11 e 13’’, detalhou Müller.
Neste cenário, destacou, a recusa apresentada pela instituição financeira
revela-se paradoxal, pois, ‘‘ou bem o banco considera que existe uma dívida,
movimenta-se para cobrá-la e encerra o assunto, ou — como verificamos nesse caso
— concede abatimento negocial e liquida a dívida’’. Para ele, foi um
comportamento contraditório liquidar uma dívida, seguir mantendo o contrato de
conta corrente e, depois, negar um empréstimo com base numa pendência já
sepultada. Afinal, como a liquidação da dívida ocorreu há mais de cinco anos, o
banco perdeu a prerrogativa de utilizar a pendência negociada com o autor como
informação negativa para futuros contratos.
Ao fim e ao cabo, o relator entendeu que a conduta do banco feriu a boa fé
objetiva e rompeu a estabilidade da relação contratual. Isso porque as partes
definiram as expectativas contratuais no instante em que o banco considerou
extinta a pendência e renovou o contrato de conta corrente. Neste aspecto, a
conduta ilícita está expressa nos moldes dos artigos 187 e 927, do Código Civil
de 2002; e nos artigos 14 e 43, parágrafo 1º do Código de Defesa do
Consumidor.
Pela persistência dos efeitos negativos de uma pendência financeira por mais
de cinco anos, o banco também desrespeitou a regra do artigo 43, parágrafo 3º,
CDC. Assim, ele justificou os pedidos de declaração de inexistência da dívida e
de indenização por dano moral — valor arbitrado em R$ 2,5 mil.
O voto foi seguido, por unanimidade, pelos desembargadores Marco Antonio
Angelo (presidente do colegiado) e Lúcia de Fátima Cerveira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário