sexta-feira, 8 de abril de 2011

Viabilidade de Utilização da Lei de Arbitragem por Empresas de Factoring

Tem o presente projeto a finalidade de apresentar os aspectos da Lei de Arbitragem, bem como, de demonstrar as vantagens práticas a partir da adoção e utilização da arbitragem por Empresas de Factoring.

Para melhor apresentação do tema, será feita uma abordagem especial da Lei 11.323/05, que, de forma indireta tornou mais célere o procedimento para cumprimento das sentenças, inclusive as sentenças arbitrais.

Em última análise, o presente trabalho procurará demonstrar que o procedimento arbitral é o caminho mais acertado para os temas que envolvam questões financeiras, considerando que além de contemporâneo está afeito aos ditames e exigências legais e do comércio internacional.

Felizmente, o Brasil possui uma das mais avançadas e modernas legislações nessa área, faltando apenas maior utilização do instituto, principalmente por parte das instituições financeiras.

As Empresas de Factoring ao explorarem atividades econômicas, regem-se por um sistema híbrido de direito privado. Só por isto, tais entidades preenchem os requisitos do artigo 1º da Lei de Arbitragem[1], vez que ostentam capacidade e detêm a disponibilidade do direito sobre seus negócios jurídicos no campo obrigacional e civil frente aos particulares / clientes.

Nesse quadrante para melhor abordar o tema, bem como a pertinência, vantagem e utilidade da arbitragem, necessário se faz uma breve análise dos institutos jurídicos que cercam tal procedimento.

A Convenção de Arbitragem
A convenção de arbitragem é o ponto central do procedimento. Ela configura o gênero do qual são espécies a cláusula arbitral e o compromisso arbitral.

A cláusula arbitral é o dispositivo inserto em um contrato ou acordo mediante o qual as partes se comprometem a utilizar a arbitragem como forma de solução de eventuais dúvidas que recaiam sobre o contrato ou de litígios dele advindos.

O efeito vinculador dessa cláusula é absoluto e retira do Poder Judiciário a capacidade de conhecimento de eventual lide. Tanto assim, que as partes estão legalmente impossibilitadas de levar a questão ao Judiciário. Em caso de recalcitrância e apresentação em Juízo cível por um dos contratantes, o processo deve ser extinto pelo magistrado sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, VII, do Código de Processo Civil[2].

A exceção de atuação do Judiciário é garantida pela utilização das medidas cautelares[3] necessárias à manutenção do status da coisa ou das relações jurídicas, discutidas no juízo arbitral, bem como para que se evite prejuízo ou dano irreparável. Só nesse caso – portanto, preventivamente – o Poder Judiciário poderá intervir, mas bem caracterizado como situação excepcional, expressamente delimitada e em situações que demandem urgência. Nesse sentido, o reconhecimento da jurisprudência[4]

Isso reforça o vigor e a dimensão da cláusula arbitral, o que de forma alguma ofende a disposição do art. 5º, inciso XXXV[5] da Constituição Federal, porquanto a Lei de Arbitragem equipara o juízo arbitral ao juízo estatal para todos os efeitos, mormente em seus artigos 18 e 31.

Além da cláusula arbitral aberta, que tão-somente prevê a solução de um conflito pela arbitragem, pode haver o que a doutrina denomina cláusula arbitral cheia, isto é, aquela que vai além e contém mais elementos acerca do procedimento a ser adotado, como: (a) a competência de uma determinada câmara arbitral para o julgamento; (b) se, para solucionar a questão, será utilizada a legislação, os costumes ou a eqüidade; e (c) o número de árbitros que deverão resolver a disputa etc.

Conseqüência direta da cláusula arbitral é o compromisso arbitral, que nada mais é do que o termo firmado pelas partes com a fixação dos pontos e dos termos da solução do litígio. Pressupõe, portanto, a existência efetiva de uma controvérsia já existente entre as partes, ao passo que na cláusula arbitral o conflito é hipotético.

A natureza jurídica do compromisso arbitral é contratual, de caráter particular, por meio do qual as partes, mediante manifestação espontânea (ou em virtude de obrigação oriunda da cláusula arbitral), estabelecem as regras aplicáveis à questão frente ao(s) árbitro(s). Daí em diante, as regras ali consignadas deverão ser imperativas às partes e à Câmara de Arbitragem. Nesse instrumento, de forma pormenorizada, devem ser fixadas as normas de direito a serem aplicadas para o julgamento da questão ou mesmo a adoção da eqüidade para tanto. Deve, ainda, prever o rateio das custas, a responsabilidade pelos honorários do(s) árbitro(s), bem como qualquer outra questão atinente à natureza da relação jurídica debatida.

É importante ressaltar que a inexistência de cláusula arbitral em um contrato não impede que as partes, após a instauração de uma questão controvertida, venham a solucionar a contenda por meio da arbitragem. Em qualquer contrato firmado sem a previsão de cláusula arbitral, havendo intenção de submeter um conflito posterior à arbitragem, basta que os contratantes firmem o compromisso arbitral, em apartado, com a fixação dos pontos controvertidos e demais requisitos.

Os Contratos de Factoring, Arbitragem e Código de Defesa do Consumidor
Genericamente, os contratos são considerados contratos de adesão e, por força da Legislação, estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor.

Contudo, este tipo de Contrato (de Factoring) não se enquadra neste contexto, pois, como segundo conceitua MARIA HELENA DINIZ: O Contrato de Factoring é aquele em que um empresário (faturizado) cede a outro (faturizador), no todo ou em parte, os créditos provenientes de suas vendas mercantis a terceiro, mediante o pagamento de uma remuneração, consistente no desconto sobre os respectivos valores, ou seja, conforme o montante de tais créditos (in Curso de Direito Civil Brasileiro, Ed. Saraiva, v. III, p. 693).

Já o Contrato de Adesão é aquele em que uma das partes tem de aceitar, em bloco, todas as cláusulas estabelecidas pela outra, aderindo a uma situação contratual que já se encontra definida em todos os seus termos, sem qualquer discussão ou revisão. Por tais razões é que se enquadram os contratos bancários nos termos do C.D.C. – art. 3º, parágrafo 2º.

Ainda que seja forçado o entendimento sobre a submissão do Contrato de Factoring ao disposto no inciso VII do artigo 51[6] do CDC, o mesmo não deve ser interpretado de maneira irrestrita, porque o mesmo Código, no bojo do artigo 4º[7], tem como objetivo a transparência e a harmonia das relações de consumo, trazendo ainda, no inciso V do mesmo artigo o incentivo para que os fornecedores criem mecanismos alternativos para soluções de conflitos de consumo[8].

A Lei 9.307/96, no parágrafo 2º do artigo 4º, estabelece que: “Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.”

Assim sendo, não há que falar em arbitragem obrigatória (compulsória – conforme expressão utilizada pelo CDC), mas sim facultativa, haja vista o cumprimento das exigências legais para eficácia da cláusula compromissória, a serem manifestadas pelo aderente / consumidor à luz da Lei 9.307/96.

Em conclusão, inferimos que, observadas as peculiaridades legais do contrato de factoring e, conjugando de forma ordenada o CDC e a Lei 9.307/96, nada impede a solução de controvérsias oriundas deste tipo de relação contratual por arbitragem.

Contratos de Factoring e Arbitragem
Como já visto o contrato de factoring não se encontra sob a égide do Código de Defesa do Consumidor.

Veja-se que o Contrato de Factoring[9] é uma atividade comercial mista atípica = serviços + compra de créditos (direitos creditórios) resultantes de vendas mercantis. Factoring é fomento mercantil, porque expande os ativos de suas empresas clientes, aumenta-lhes as vendas, elimina seu endividamento e transforma as suas vendas a prazo em vendas à vista. É a prestação contínua e cumulativa de serviços de assessoria mercandológica, creditícia, de seleção de riscos, de gestão de crédito, de acompanhamento de contas a receber e de outros serviços, conjugada com a aquisição pro soluto de créditos de empresas resultantes de suas vendas mercantis ou de prestação de serviços, realizadas a prazo.

A Natureza Jurídica da Sentença Arbitral
Vencido o ponto da vinculação e da importância do compromisso arbitral, cumpre analisar a sentença arbitral, que possibilitará o emprego da arbitragem aos negócios jurídicos havidos entre os particulares e os bancos.

O art. 31 da Lei de Arbitragem define os moldes da sentença arbitral como o ato jurídico que produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.

Não há, por força de lei, qualquer diferenciação entre uma sentença proferida por um juiz togado e uma sentença proferida por um árbitro, nos termos da Lei 9.307/96.

Em conseqüência, todas as questões decididas no âmbito do juízo arbitral, em fase de conhecimento, estão também sujeitas à aplicação do art. 468 do Código de Processo Civil, quando estabelece que “a sentença que julgar total ou parcialmente a lide tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”.

O Âmbito da Sentença Arbitral
O procedimento arbitral esgota toda a matéria a ser debatida em um processo de conhecimento e produz uma sentença que, se for condenatória, terá força executiva. A jurisprudência já teve oportunidade de se manifestar sobre a matéria[10]
O árbitro detém a jurisdicitio e está apto a conhecer da matéria posta à sua apreciação, gozando de livre convencimento. O poder do árbitro, entretanto, limita-se à parte cognitiva do processo, com possibilidade de gerar, como previsto em lei, uma sentença condenatória. Cessa exatamente nesse ponto a atividade do árbitro, posto que a ele é defeso o exercício de qualquer ato jurisdicional de incursão no mundo dos fatos, de transformação da realidade.

Sua função termina com a decisão sobre o mérito da causa, o qual não pode ser revisto e tampouco receber inovação do Poder Judiciário, assim também a posição dos tribunais[11]

Eis a diferença essencial entre a sentença estatal e a sentença privada. Nesta última, o árbitro, de acordo com seu convencimento durante o processo de conhecimento, está apto a proferir decisão declaratória, constitutiva ou condenatória, mas não tem o poder de executar sua decisão. Falta-lhe o imperium (potestas) no exercício de sua atividade jurisdicional.

A sentença do árbitro, tanto quanto a de um juiz togado, é uma sentença executiva[12] assim considerada expressamente pelo art. 584, VI, do Código de Processo Civil[13]

Por produzir efeito executivo, caracterizado pela execução diferida a outro processo, a sentença arbitral, tal como qualquer outra sentença judicial, cria um título e rege o surgimento da ação de execução regulada no Livro II do Código de Processo Civil.

Se a sentença arbitral é definida pela legislação material e processual como sentença judicial, sobre ela incidem os efeitos da coisa julgada, que são inerentes a qualquer decisão judicial.

A Coisa Julgada
A coisa julgada, prevista no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, é um instituto decorrente de decisões judiciais transitadas em julgado. Nos termos do art. 467 do Código de Processo Civil, denomina-se coisa julgada material a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, sendo incabível a interposição de qualquer recurso.

É, portanto, a tradução da imutabilidade dos efeitos da sentença ou da própria sentença que decorre do esgotamento de todos os recursos cabíveis.

Ao lado do ato jurídico perfeito e do direito adquirido, a coisa julgada constitui uma importante garantia aos direitos individuais, voltada principalmente à preservação da estabilidade das relações jurídicas.

Esse atributo de imutabilidade da decisão inserida no mesmo processo em que proferida por exaustão dos recursos é denominado pela doutrina de coisa julgada formal.

No entanto, a eficácia do dispositivo da sentença (declaratório, constitutivo, mandamental e condenatório) é garantida pela coisa julgada material ou, coisa julgada substancial.

Uma distinção sucinta entre a coisa julgada em sentido formal e em sentido substancial (ou material):
a) é a primeira uma qualidade da sentença, quando já não recorrível por força da preclusão dos recursos;
b) já a segunda, a sua eficácia específica, e, propriamente, a autoridade da coisa julgada, estaria condicionada à formação da primeira. Indica, pois, a coisa julgada formal a imutabilidade da sentença como ato processual, e a coisa julgada substancial indica a mesma imutabilidade, em relação ao seu conteúdo e, mormente, aos seus efeitos.

Dessa forma, o instituto da coisa julgada tem total pertinência e aplicação às sentenças arbitrais e é de capital importância no momento de executá-las.

Coisa Julgada em Matéria Arbitral
Alguns juristas, entretanto, não enxergam a possibilidade de ocorrer a coisa julgada material em uma sentença arbitral.

Apesar de reconhecer a força da coisa julgada em sede arbitral, não atribui essa característica propriamente à coisa julgada material, como em sentenças prolatadas por juízes estatais. Para esse autor, a impossibilidade do reexame residiria não na “existênciade coisa julgada, mas no “respeito à vontade que as partes expressam ao louvar-se em árbitros”.

Percebe-se que, mesmo não reconhecendo a autoridade da coisa julgada material, há, por via reflexa, expressa admissão da imutabilidade do julgado, não em respeito à coisa julgada, mas sim em respeito à via eleita pelas partes.

O resultado prático, não obstante a divergência técnico-processual, é o mesmo, ou seja, a impossibilidade de reexame do mérito da sentença arbitral, mas essa resistência em reconhecer a aplicação de institutos processuais à arbitragem vem reforçar o embaraço e a dificuldade que muitos juristas ainda demonstram na matéria arbitral.

Respeitados os entendimentos contrários, não há razão para retirar da sentença arbitral a imutabilidade de suas disposições de mérito pela ocorrência da coisa julgada. Assim, é perfeitamente cabível a argüição de exceção de res judicata perante qualquer juízo estatal caso uma sentença arbitral venha a sofrer qualquer tipo de impugnação não prevista expressamente em lei[14]

É da tradição de nosso direito a força da res judicata até mesmo em negócios jurídicos de menor complexidade, como aqueles de que só participam os titulares do direito, sem a intervenção de um terceiro (como é o caso do árbitro). Assim é o caso da transação[15] Pelo instituto da transação, o acordo a que chegam as partes com o fim de prevenir ou terminar litígio produzia efeito de coisa julgada, expressamente estabelecida no art. 1.030 do Código Civil de 1916 e em seu equivalente no Código Civil atual (art. 849).

Não há, portanto, razão jurídica para se escamotear da arbitragem atributo tão importante quanto a coisa julgada.

A Sentença Arbitral e Coisa Julgada Material
Após a prolação da sentença arbitral, de ordinário, a lei não prevê a possibilidade de recurso apto ao reexame do mérito ou dos fundamentos que levaram à decisão.

A Lei de Arbitragem (art. 30) prevê o recurso de embargos de declaração, a ser proposto no prazo de 5 (cinco) dias, a contar do recebimento da notificação ou da ciência pessoal da sentença. Tal recurso visa à correção de erro material ou ao esclarecimento de obscuridade, dúvida ou contradição da decisão. Nada diferente do mesmo instituto previsto no Código de Processo Civil.

A novidade reside no §1º, do art. 31 da Lei de Arbitragem, que prevê a possibilidade de as partes, no prazo de 90 (noventa) dias, ajuizarem uma ação anulatória específica da sentença arbitral, se comprovada a existência de algum vício previsto no art. 32 do mesmo diploma legal.

Trata-se de meio específico de impugnação da sentença proferida pelo árbitro ou tribunal arbitral, a ser processada perante o Poder Judiciário, que apenas decretará a nulidade da sentença arbitral nos casos dos incisos I, II, VI, VII e VIII[16] Nos casos constantes dos incisos III, IV e V, será determinada a prolação de nova sentença arbitral[17]

É uma verdadeira ação rescisória prevista em legislação própria, com prazo reduzidíssimo de 90 (noventa) dias e não de 2 (dois) anos, como previsto no art. 485 do Código de Processo Civil, cuja principal característica é a possibilidade apenas de decretação de nulidade ou de emissão de nova sentença arbitral pelo mesmo árbitro ou tribunal arbitral.

Essa rescisória está vinculada às previsões taxativas da lei, contidas expressamente no art. 32 da Lei de Arbitragem.

Em suma, passados 90 (noventa) dias do conhecimento da decisão arbitral, que é prazo decadencial, a sentença passará a ser coisa julgada formal e material, apta a ser executada perante o Poder Judiciário, não cabendo mais discussão acerca do mérito ou dos valores lá envolvidos, os quais se tornaram líquidos, certos e exigíveis.

Conforme explica Ricci (1999): A sentença arbitral com trânsito em julgado não pode mais ser impugnada. Depois do trânsito em julgado a imutabilidade de seus efeitos é absoluta, porque não cabe ação rescisória.

Agilidade da Execução da Sentença Arbitral após o Advento da Lei 11.232/2005
Chega-se ao ponto-chave no qual se pode perceber a maior vantagem de adotar o procedimento arbitral. Se a execução de sentença arbitral era reconhecidamente mais célere antes da alteração da legislação processual civil, a promulgação da Lei 11.232 deu mais agilidade à cobrança.

É que a sentença arbitral é reconhecida como título executivo judicial, nos termos do art. 475-N do Código de Processo Civil. Assim, o vencedor em uma demanda arbitral, ao cobrar sua dívida em juízo, já inicia o processo conforme o art. 475-I ou 475-J, dependendo da natureza do direito reconhecido pelo tribunal arbitral.

É um atalho significativo, uma vez que o processo de execução a ser iniciado, em caso de condenação para pagamento de quantia certa, por exemplo, já poderá ser acrescido de multa no percentual de 10%.

Com a alteração da legislação, para os particulares não existe mais a figura dos embargos de devedor, outrora tratados no art. 741 do Diploma Processual Civil. Atualmente, o expediente de oposição do devedor passou a denominar-se impugnação, a ser oferecido no prazo de 15 dias (§ 1º do art. 475-J).

A impugnação eventualmente oferecida pelo devedor obrigatoriamente deverá versar sobre as matérias estabelecidas no art. 475-L do Código de Processo.
Essa é uma diferença que economiza tempo considerável no momento de recuperar um crédito bancário inadimplido.

Como ensinava Theodoro Junior[18], numa ação de execução de título judicial, os embargos de devedor constituíam uma ação de cognição incidental de caráter constitutivo, conexa à execução por estabelecer uma “relação de causalidade entre a solução do incidente e o êxito da execução” [Castro apud Theodoro Junior (1997)].

Com a alteração trazida pela Lei 11.232, a figura de ação de cognição incidental desaparece, na medida em que a defesa do devedor é feita no mesmo processo e não em ação incidental, como eram os embargos à execução. Essa continuidade no mesmo feito, acrescida da retirada de efeito suspensivo (cabível somente a casos excepcionais), bem como a limitação das matérias passíveis de impugnação, restringe o campo de discussão e evita a nefasta procrastinação do processo de execução.

Praticamente todos os casos previstos nos incisos do art. 475-L do Código de Processo Civil são de origem posterior à prolação da sentença[19] O rol dos incisos do mencionado artigo é taxativo e não admite interpretação extensiva.

A restrição da discussão em sede de impugnação à execução fundada em sentença arbitral (título judicial) não macula o princípio da ampla defesa e do devido processo legal, posto já ter sido discutida toda a matéria de defesa cabível ao processo de conhecimento perante o tribunal arbitral.

Segundo ensinamento de Lucon[20], o conhecimento da impugnação, tal como se dava nos embargos, nesse caso só pode ser horizontal, por não poder alcançar profundamente a matéria que serviu de sustentação ao título executivo judicial. Nesse sentido, pode-se afirmar que há uma limitação à cognição em razão de um aspecto temporal.

Exceção feita ao inciso I e ao parágrafo único, ambos do art. 741[21] a matéria de defesa deve ser superveniente à formação do título judicial. Essa imposição limita as alegações feitas pelo executado, permitindo, na maior parte dos casos, uma rápida solução do litígio estabelecido em embargos. Daí a limitação à cognição ocorrer no plano horizontal, relativamente às matérias que podem ser alegadas pelo embargante-executado, e não no plano vertical, que diz respeito à profundidade no conhecimento das matérias debatidas. Tanto isso é verdadeiro, que a sentença de mérito proferida nos autos do processo de embargos tem aptidão de se tornar definitiva e coberta pela garantia da coisa julgada.

Da mesma forma, Nery Junior[22] (2003) defende a taxatividade do rol elencado no art. 741 do Código de Processo Civil, agora substituído pelo art. 475-L.

Assenta o autor que os embargos [agora impugnação] fundados em sentença só poderão vir fundamentados em uma das hipóteses taxativas do CPC 741. À falta de cumprimento dessa disposição legal, o juiz deve indeferir liminarmente os embargos, conforme dispõe o CPC 739 II.

A presunção é da certeza, liquidez e exigibilidade do título, cabendo a inversão do ônus da prova, com o encargo ao devedor de comprovar a nulidade da sentença, em impugnação, já que o processo de execução não comporta a cognição, pois dele somente deve irradiar atos coativos contra a universalidade dos bens do devedor[23].

Dos Benefícios Advindos da Execução Fundada em uma Sentença Arbitral
Do quanto exposto, verifica-se, de forma estreme de dúvidas, a grande vantagem oferecida na utilização de um título executivo judicial, como é o caso do inciso IV, do art. 475-N do Código de Processo Civil, para se manejar uma ação de execução. Principalmente quando se rata de contratos de grande expressão e vultosos valores envolvidos, como sói ocorrer em contratos bancários que visam ao financiamento de infra-estrutura ou projetos que por sua natureza prevejam remuneração variável ao rendimento do empreendimento.

Todos os advogados que militam no contencioso são conhecedores da morosidade peculiar aos processos de conhecimento, com dilação probatória bastante extensa e grande número de recursos. Assim, a defesa do devedor, antes feita por embargos à execução com uma ampla gama de pontos passíveis de discussão, se estendia por muitos anos. Não raro, havia realização de perícia; impugnação ao laudo pericial; recursos incidentais e todo tipo de expedientes processuais colocados à disposição das partes, tudo em consagração ao devido processo legal.

Infelizmente, o que se verifica no foro é a má utilização do devido processo legal, com o abuso de seu mecanismo, o que resulta na procrastinação das execuções por maus pagadores e devedores contumazes, distendendo um processo por anos a fio.

A alteração trazida pela novel Lei 11.232 é uma demonstração clara da percepção do problema pelos legisladores e uma tentativa – mesmo que de forma pontual e, de certa maneira, paliativa – de minimizar os trágicos efeitos de uma legislação descolada da realidade social quando o assunto é a realização da justiça.

Fator Especialidade do Julgador
Um elemento importante, do ponto de vista de quem utiliza a arbitragem, é a possibilidade de escolha, pelas partes, de árbitros que sejam profissionais especializados no assunto a ser decidido. Existem projetos bastante peculiares, que fogem totalmente ao cotidiano forense, o que significa dizer que um profissional conhecedor profundo de determinada matéria estará habilitado a decidi-la da maneira mais acertada. Essa especialização do árbitro contribuirá para maior facilitação das provas periciais e também para o maior equilíbrio do ponto de vista técnico.

Fator Confidencialidade
O processo arbitral é revestido de sigilo, ao contrário do processo de conhecimento comum, no qual, ressalvadas raras exceções, o processo tem trâmite público, sendo franqueado a qualquer interessado em consultá-lo.

Muitas vezes isso é prejudicial, já que muitas disputas têm caráter confidencial e uma “invasão” de concorrentes ou de outros credores se mostra prejudicial às partes envolvidas. Os interesses das partes ficam, assim, resguardados da “curiosidade” pública.

Tudo isso reflete na manutenção da boa relação contratual, entre as partes, existente anteriormente ao conflito.


Conclusão
Diante das vantagens aqui apresentadas, em termos de eficácia e de tempo, a adoção da arbitragem se mostra um mecanismo de eliminação de conflitos muito interessante para o sistema financeiro em geral. Isso porque as instituições, têm interesse em terminar qualquer conflito de forma célere.

Caberá aos operadores de direito dessas instituições, entretanto, refletir sobre os aspectos práticos e extremamente úteis da arbitragem e, paulatinamente, empregá-la nos contratos em que trabalham, construindo-se assim uma forma alternativa na busca da satisfação de inadimplementos contratuais, financeiros ou não.

O inchaço do sistema judiciário brasileiro também se deve ao desprezo aos meios alternativos de solução de controvérsias. Há uma possibilidade de mudança e é obrigação dos operadores do direito se valerem dela e enfrentarem o tema sem receios ou idéias preconcebidas.

Tal como a construção jurisprudencial é diretamente ligada à atuação dos advogados – os quais são os responsáveis pela criação das teses que mais tarde vêm a se tornar súmulas nos tribunais superiores –, caberá também aos advogados, principalmente das instituições financeiras, se debruçarem sobre o tema da arbitragem, entendê-la, divulgá-la e pô-la em prática, sem preconceitos ou receios.


Trata-se de um instituto contemporâneo e afeito às exigências de comércio internacional, do qual o Brasil tem uma das mais avançadas e modernas legislações. Nesse sentido, não deveria haver espaço para atavismos processualísticos dispensáveis que mais atrapalham a prestação jurisdicional e a busca pela solução mais célere e justa possível.

Arbitragem é prestação jurisdicional posta à disposição das partes. Não entendê-la dessa forma é contribuir para a formação e o recrudescimento de um tabu, segundo o qual não há possibilidade de solução de conflitos fora dos juízos estatais.

Pensar em arbitragem como algo fora do Estado é desmerecer e não compreender uma das mais importantes ferramentas para estimular e facilitar o comércio e a economia.


[1] Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
[2] “Art. 267. Extingue-se o processo, sem julgamento do mérito: (...) VII – pela convenção de arbitragem; (...)”
[3] AgIn 280.034-4/3-00 6ª Câm. de Direito Privado – TJSP – j. 27.2.2003 – rel. Des. Reis Kuntz. – “Medida cautelar inominada. Pedido de extinção da obrigação ou, alternativamente, sua revogação com relação à entrega das vacinas. Questões que, segundo o contrato, devem ser solucionadas por juízo arbitral. Decisão mantida. Recurso desprovido.”
[4] ApCív. 393.297-8 5ª Câm. – TAMG – j. 15.05.2003 – rel. Juiz Mariné da Cunha. – Ementa Oficial – “Ação cautelar de sustação de protesto – Ação cominatória – Ação declaratória cumulada com indenização por danos morais – Contrato de prestação de serviços – Cláusula compromissória – Impossibilidade de se recorrer ao Poder Judiciário – Controvérsia entre os contratantes sujeita à decisão de árbitros – Renúncia à via judicial, exceto para as demandas cautelares – Recurso parcialmente provido. Da forma como disciplinado pela lei de arbitragem, prevista a cláusula compromissória num determinado contrato, em ocorrendo qualquer controvérsia a respeito do teor do mesmo, as partes não podem recorrer ao Poder Judiciário para solucioná-la, mas, sim, devem se sujeitar à decisão a ser proferida pelo árbitro escolhido para solucionar o compromisso arbitral então surgido. Estando a vontade das partes manifestada na cláusula compromissória, permitir o suprimento judicial da mesma seria admitir a invalidação da vontade bilateral dos litigantes, o que, data vênia, só é admissível nas hipóteses de cláusulas abusivas ou ilegais, o que não se revela no caso. Como a renúncia, com força definitiva, à via judicial é excepcionada em relação às demandas cautelares, o acesso à jurisdição, em tais casos, é permitido, sendo a hipótese de se acolher os pedidos de sustação de protesto e imposição de obrigação de não encaminhar duplicatas para protesto, ao passo que a controvérsia acerca da exigibilidade ou inexigibilidade das mesmas deve ser objeto de processo de arbitragem.”

[5] “XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”
[6] “Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: ......... VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem”;
[7] Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios
[8] “Art. 4º: ...... V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo”;
[9] http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=634&p=2 - acessado em 26/10/09
[10] AgIn 2001.001.07617 – 18ª Câm. – TJRJ – j. 31.07.2001 – rel. Des. Roberto de Abreu e Silva – DORJ 08.08.2001 – Ementa Oficial – “Sentença de juízo arbitral. Título executivo. Tutela antecipada. Suspensão da exigibilidade. Inadmissibilidade. Afigura-se inadmissível a suspensão da exigibilidade de sentença condenatória de juízo arbitral, em tutela antecipada, contra texto expresso de lei (arts. 31, Lei 9.307/96 e 583 do CPC). Tal situação implica inversão tumultuária do processo, violando o princípio constitucional de acesso à tutela jurisdicional do crédito expresso no título executivo (art. 5º, XXXV, da CF/88) e negativa de vigência do art. 31 da Lei 9.307/96, que não se pode tolerar, ainda mais, na fase da efetiva conversão do Direito em Justiça.”

[11] AgIn 18187/2003 – 1ª Câm. – TJRJ – j. 10.02.2004 – rela. Desa.Valéria G. da Silva Maron – Ementa Oficial – “Agravo de instrumento. Execução de sentença proferida em juízo arbitral. Despacho determinando o cumprimento do julgado sob pena de multa diária. Não estabelecida esta no título executivo judicial, descabe sua cobrança.”
[12] Sentença executiva é toda aquela que contém, imanente em si mesma, como eficácia interna que lhe é própria, o poder de operar uma mudança no mundo exterior [Micheli apud Silva (1988)].
[13] “Art. 584. São títulos executivos judiciais: (...) VI – a sentença arbitral.”
[14] Ap.Cív. 20.942/02 – TJRJ – 4ª Câm. Civ. Rel. Des. Reinaldo Pinto Alberto Filho – “Ação de anulação de sentença arbitral. Improcedência. Impossibilidade de reexame de mérito”
[15] Código Civil de 2002 – “Art. 840. É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas.”
[16] “I – for nulo o compromisso; II – emanou de quem não podia ser árbitro; VI – comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; VII – proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, III, da Lei de Arbitragem; e VIII – forem desrespeitados os princípios de que trata o artigo 21, §2º.”
[17] “III – não contiver os requisitos do artigo 26 da Lei de Arbitragem; IV – for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; e V – não decidir todo o litígio submetido à arbitragem.”
[18] THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, v. II., 19.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 272.
[19] Com exceção da nulidade ou da falta de citação adequada (I) e penhora ou avaliação incorreta (III).
[20] LUCON, Paulo Henrique. In: MARCATO, Antonio Carlos (org.). Código de Processo Civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2004, p. 2.096.
[21] Com a alteração pela Lei 11.232, passou a ser o inciso I, do art. 475-L.
[22] NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 7.ed. São Paulo: RT, 2003, p. 1.060.
[23] MARTINS, Pedro A. Batista. Aspectos fundamentais da lei de arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 417.

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